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America Latrina PDF Imprimir E-mail

AMÉRICA

LATRINA

&

O

GIGOLÔ

AMERICANO

 

MARCO ALEXANDRE

 

DA

COSTA ROSÁRIO


POESIA


EDITORA OGMIOS

(SEACULUM OBSCURUM)


BLITZBUCH

1988


SUMÁRIO – AMÉRICA LATRINA & O GIGOLÔ AMERICANO

 

LEIA-ME! EU SOU SUA BÍBLIA!!!!

AMÉRICA LATRINA & O GIGOLÔ AMERICANO

O AMOR CONTRUÍDO NO PÓ

O AMOR CONSTRUÍDO NA POESIA

LUGARES

AMÉRICA LATRINA

FASCISNÓLIA

ÁGUA E MORTE

AS CINZAS DO AMANTE NA BOLSA DA JOVEM DA NOITE

UMA FRAGMENTAÇÃO NA BIOGRAFIA

POEMA À MULHER IMPERFEITA

NO PÁTIO DA ESCOLA

A CARTA

NO SOL ARDENTE

PALAVRAS DA VELHA MULHER EM SUA CHUVA DE FLORES

ABAIXO DA LUA AMARELA

ELEGIA

(para um heróis do Ocidente)

A VOZ DO PARTIDO

PALAVRAS

 


LEIA-ME! EU SOU SUA BÍBLIA!!!!


leia-me! eu sou sua Bíblia!!!

sinto que você está só,

ansioso,

muito nervoso!!! uh, uh!

preciso de sua alma para alimentar seu Karma.

oh! Viver seu drama!

ver você se transformar numa brahma!!!

leia-me! eu sou sua Bíblia !!!

vamos, leve-me para a rua,

através de uma noitada anarquista.

sei qual é seu problema:

seu cérebro fica no pênis!!!

sim! leve-me para um motel!!!

satisfarei seu desejo!!!!

um milhão de mulheres nuas!!!

altavelocidadesemdireção

tensãocoraçãocopulaçãoconsolação

vou colocar um revólver em suas mãos!!!

leia-me, eu sou sua Bíblia!!!

BAM! BAM!

BAM! BAM! BAM!

leia-me! leia-me!

BAM! BAM!

BAMBAMBAMBAM!

leia-me! leia-me!


Sumário

AMÉRICA LATRINA & O GIGOLÔ AMERICANO


américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

das ondas do mar, de um galeão espanhol,

observamos a rainha américa latrina e seu gigolô americano:

ele fumando charuto cubano.

vamos lá que a rainha tem belas filhas

e ela nos dará bons dotes

e até seu ouro escondido embaixo de sua saia,

e até mesmo sua prata,

e o gigolô é nosso amigo.

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

mendigos à beira da avenida

vomitando fome do pênis em ereção com bandeiras tremulando,

coloridas, sobre bandejas de frutas tropicais,

e o verde deu lugar ao cimento,

e os índios fugiram para a floresta,

e outros índios foram mortos pela cavalaria,

quando fumavam o cachimbo da paz nos trilhos do trem,

e muito navios trouxeram escravos para saldar

a jovem rainha américa latrina & seu gigolô americano.

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

enormes são tuas florestas e rios.

um dia, o deus branco, que por tantos séculos aguardavas,

regressou em caravelas,

não para trazer auxílio aos Incas,

mas para crucificar Ataualpa no mastro das caravelas.

trouxeram álcool e doenças também.

mas, tu ficaste calada, adorável rainha.

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

quando as crianças do paraguay morreram,

tu não as enterraste em teu solo, mas em tua memória.

quando o canto da África foi ouvido em tuas terras,

só tu não quisestes ouvir, preferindo entrar em tua igreja católica apostólica romana luterana batista, norte-americana...

tu, rainha.

américa latrina & seu gigolô americano

américa latrina & seu gigolô americano

américa latrina & seu gigolô americano

as crianças despertaram, e foram parar na frente da televisão,

e não querem mais aprender teus hinos e orações.

teus operários estão famintos, perdidos em teus bordéis,

tuas mulheres são prostitutas nas embaixadas dos impérios

financeiros...

só tu ainda insistes em cantar tua glória imaginária.

tu, rainha.

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

coro de crianças indígenas: compra um útero novo, fecundo.

oh! senhora rainha! rainha américa latrina!

entre flechas e arcos

negocia teus pecados por indulgências

que te levem às alturas

resgata nossas terras queimadas

resgata nossas poções mágicas

resgata nosso passado que não chegastes a conhecer

américa latrinaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!

um mendigo: meu pai era chefe de tribo,

minha mãe era a melhor parteira de machu pichu,

minha irmã é empregada na casa de meu senhor.

américa latrina,

puta enjaulada em si mesma,

não sei se sabes andar em moléculas desfalecidas

ou no mar onde todos estão adormecidos.

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

américa latrina & o gigolô americano

quando eu estavas nu,

não viestes em meu socorro,

e agora apareces em uma concha, como uma Afrodite indígena,

gritando meu nome na multidão de padres

Foda-se, tu rainhazinha...

américa latrina

respira um ar novo...

só amas o que é grande, forte e poderoso...

experimenta amar o que é fraco.

Porquê não podes sondar os corações dos presos em tuas penitenciárias?

mulher – rainha américa latrina...

se queres ser realmente grande,

tira tua roupa em praça pública, como o mendigo em tua rua,

e vomita os mortos que engoliste.

mas, depois volta ao silêncio marítimo

e, sentada em tua cama vazia, relembra meu nome,

porque eu perdi meu conforto para ouvir tua confissão em tua alcova.

Tu, américa latina.

Tu, américa latina.

Tu, américa latina.

Tu, américa latina.

Tu, américa latina.

Tu, américa latina.

Tu, américa latina.

Tu, américa latina.

 

Sumário

O AMOR CONTRUÍDO NO PÓ


o amor construído no pó

o medo da morte

que te arrasta para

o medo da vida

que te arrasta para

o medo da fome

que te arrasta para

beijar os pés dos senhores

o amor construído no pó

 

Sumário

AMOR CONSTRUÍDO NA POESIA


O vendedor indo

de cidade em cidade

e seu amor sem raiz

em nenhuma cidade

Seu medo da morte

que o traz aqui

sua persistência em conservar

a vida e seu medo

Da fome que o arrasta

de lugar a lugar fazendo-o

beijar os pés do senhor do lugar

seu amor construído na poeira

* Versão do poema “O Amor Construído no Pó”, publicado no jornal paraense Diário do Pará (Caderno D-4), no dia 23 de dezembro de 1988 (Sexta-feira), em Belém Estado do Pará.

 

Sumário

LUGARES


se alguma vez andares

por estradas perfeitas,

que os outros consideram

por demais imperfeitas,

e olhares para o

complexo universo

da tua alma

nos espelhos submersos,

no antiquado paraíso,

terás o teu pequeno mundo

no caos das essências,

e as formas nelas esculpidas,

passageiras, imprecisas,

e a tua pele em erosão

no rio envolvida pelo rio...

o oceano em silêncio

e a corrente de gelo

queimando o teu sangue.

O deserto é para nós,

a cada movimento nos ciclos,

ou o ódio ou o amor

nos labirintos,

percorridos por amantes

que santificam seus infernos

nos muros finitos das ambições

no mar em espiral

de um cemitério desconhecido,

teus sonhos adormecidos enquanto estás

do outro lado do rio, acenando,

imperceptível,

aos outros

que já não podem te ver.

 

Sumário

AMÉRICA LATRINA

 

...muchos

&

muchos mares, &

Colombo & sua rainha nas ilhas índias

&

caravelas

La America

tierra & latrina

America

La America La America

e suas igrejas e seus machos

La America La America

e suas escadarias e seu ouro

La America La America

e seus dançarinos e seus negros

La America La America

e seus assassinos e seus amores

La America

seus exércitos & seus dirigentes

seus

índios estrangeiros

& Colombo

e sua rainha

para

muitos

mares

ainda...

Sumário

FASCISNÓLIA


Uma voz: Tudo

o que pode ser

perdido

É o que você pode perder

pela crença

queimando em você

TUDO TUDO TUDO

É o que

VOCÊ PODE PERDER

ou depois

OU ANTES DO DILÚVIO

Coro: TUDO O QUE PODE SER PERDIDO,

TUDO O QUE PODE SER PERDIDO,

TUDO O QUE PODE SER PERDIDO.

Uma Voz: Você corre para o tudo

E é o que você perde

É o que você perde

É o que você perde

UMA HORA ANTES

DO MUNDO NOVO

UMA HORA DEPOIS

DO MUNDO VELHO

 

Sumário

ÁGUA E MORTE

 

os delicados sons que nos chegam da cidade,

o desespero claro e limpo dos subterrâneos ocultos.

lá, onde abrigam-se os mitos do aço e do apodrecimento,

a mulher chora quando o filho a rejeita.

ele partiu para um cerimonial,

abandonou os palácios da música e do amor

fugindo da cidade.

o dia veio e o dia se foi

amor e ódio e os caminhos foram sempre os mesmos,

engolindo vida e morte a cada movimento perdido,

e a existência declinando sem rumo em uma sepultura esquecida e vazia.

ele partiu

e na cidade a chuva caia.

Tira tua máscara de medo e olha para a vida!

então, não te disseram que seria assim,

ou achavas que encontrarias um paraíso aqui?

infernos santificados e não o paraíso

e embora acreditasses em um ou outro

sabes agora que perdestes o tempo

ouviram o lamento e as lágrimas vindas do tempo?

Descobriram algo mais que disputas entre espíritos?

acreditaram quando o homem andou sobre o mar e curou as chagas?

Quando eu era uma criança,

ouvi alguém dizer que a vida e não a morte

era desejável.

Um dia vi a mim mesmo:

um rosto jovem na alma de um velho

e agora procuro abrigo.

Virão guerras e virão ilusões

e todas às vezes que tentei gritar

alguém abortava meu caminho.

Ir em direção ao oceano.

Ir em direção dos montes e da gente humilde,

enquanto na cidade

os mortos dançam e habitam,

putas vendem artificiais paraísos de placenta e sangue,

lésbicas e veados convidam,

ladrões e ricos homens celebram a poeira do tempo,

bêbados e ateus, padres e pastores cegam a multidão,

e o que deixaste para nós?

e o que deixaste para nós?

Parem! a guerra começou.

...é hora de ouvir o silêncio...

os anjos estão às portas da cidade,

a espera do sinal e libertarão o átomo.

Deixa os que tu amas,

pois é hora de partir,

e é só contigo que quero viver.

os desejos são muitos e não haverá ninguém para sacia-los...

confortáveis são a seduções

e a roda da loucura está sem controle

e ninguém sabe a quem ela atingirá

& o cadáver do ditador encontra refúgio na imagem da t.v.

e as pessoas andam e confundem sonhos & realidades.

sonhos & realidades...

realidades & realidades...

amores & amores...

vida & existência...

Água & Morte!

Água & Morte!

Água & Morte!

Água e morte!

Água e morte!

Água e morte!

Água e morte!

Água & Morte!

Água & Morte!

Água & Morte!

Água e morte!

Água e morte!

Água e morte!

Água e morte!

Eu sou o que sou

e nada sei para falar alguma coisa.

e andei na extensão dos meus caminhos,

e vi os mortos e as muitas lágrimas choradas por eles,

e andei na extensão dos meus caminhos,

e vi o sangue derramado nas ruas da cidade,

e andei na extensão dos meus caminhos,

e vi a destruição e a desilusão,

e andei na extensão dos meus caminhos,

e passei por Damasco e Jerusalém,

sempre andando na extensão dos meus caminhos.

Por muito tempo habitei no subsolo da cidade

e amei ali muitos que passaram por mim

e recordo cada rosto que conheci

e agora retornei ao oceano... e à vida.

irmãos & irmãs!!!

o silêncio é completo em nós

e nossas orações são ouvidas para além do mar e para além das estrelas

construiremos novos céus e novas terras

a cada passo que podemos dar...

todos sabem o que fazer.

...talvez saibam o que fazer.

 

Sumário

AS CINZAS DO AMANTE NA BOLSA DA JOVEM DA NOITE

 

o amor perece numa casa

pintada com rostos na memória

e tu sais para a rua

procurando um deserto para unir com o teu,

e numa orgia de álcool

revelas teus segredos aos amigos,

pendurado pelo cordão umbilical da terra,

agonizando como um feto no útero do universo,

expondo teu crânio e tua alma

a um estranho.

nem bem viras as costas,

e já vem o medo dissecar teu passado.

paga-se bem por uma jovem da noite

iluminada pela rua.

ela enrosca-se no poste

enquanto cobra por teu alívio

algumas notas envelhecidas.

é o preço da tua liberdade...

tua a violas e estais livre do pecado.

observas sua intimidade

através da fresta de um espírito negro...

será o amor tão pouco para dissolver-se

num charco de amantes?

custará o amor tão pouco

que se pode pagá-lo com dinheiro?

Agora que sabes a verdade.

observas a jovem da noite

e todas os seus movimentos

partindo no primeiro trem para outro quarto.

melhor seria que beijasses

a terra de minha sepultura,

ajude-me! não quero morrer ainda vivo.

ajude-me! não quero a ignorância do conhecimento.

ajude-me! antes de partires com minhas cinzas em tua bolsa.

 

Sumário


UMA FRAGMENTAÇÃO NA BIOGRAFIA

 

nós aqui – nós ali – nós em nenhum lugar – aqui & ali – em nenhum lugar

nós – em todo lugar – onde houver o vácuo & a luz se propaga – no aqui & ali

na ossatura da lua – ou no silêncio do lobo

nós – no fim - & nós – no princípio - & no ontem & no amanhã – o hoje já não existe – no fim & no princípio – no interior dos círculos – dos buracos

do fim – para o princípio - & outra vez – o fim – nas orações em volta do sol

lamentação:

em um lugar para lugar nenhum lugar, gerando sempre um caminho

para lugar nenhum – para nenhum caminho

quando, por indiferença, escondes o rosto no meio da multidão

no meio do número, multidão individual – não coletiva – não una –

dispersa – em confusão – nas palavras no muro

as lágrimas no muro – os olhos perdidos no jardim

para jamais serem encontrados outra vez –

nem céu renovado – nem fogo renovado – nem oceano antigo

o coração iluminado num animal

e a porta aberta:

para o campo, atrás da estação

& o grito imperceptível na boca, efêmero, sem vida,

ecoando na confusão dos carros,

e assim semeias teu osso antigo no cemitério de carros,

caindo nas pedras ordenadas – ou no lixo iluminado – ou ainda na distância

e o animal fere-se todo – no meio da maquinaria fria –

defecando, rindo, chorando, ou uivando –

esfomeado num canteiro de livros –

indo de um caminho para um possível lugar – na geleira –

na direção do vácuo infinito

no ponto úterouniversal

de um buraco de t.v.

nós te amarelos, apenas num sonho.

nós te seguiremos, depois de ouvirmos a pedra.

nós te sentiremos, no teu corpo, num cemitério elétrico.

Sumário


POEMA À MULHER IMPERFEITA

 

A mulher imperfeita foi aquela

que o marido degolou com uma navalha

em uma madrugada de chuva, dizia a imprensa

A mulher imperfeita foi ferida

pelo marido quando ele a viu

com outro homem num carro

mas eu não a considerava imperfeita

ou mesmo perfeita, pois eu estava em sua cama naquela noite,

ela era tão somente uma pequena flor,

perdida em um jardim de cosméticos,

em disputa com os raios do sol,

e seus cabelos de fogo escorriam

pelos ombros como mel

não, eu não diria que ela era imperfeita

ou, pelo menos, mais imperfeita que o marido

que naquela madrugada voltava de um motel

onde passara a noite na companhia

da mulher de um amigo seu


Sumário


NO PÁTIO DA ESCOLA

 

Longe é sempre uma antiga manhã apagada da memória, meu querido.

Longe... é um dia que se perdeu na multidão dos dias, meu querido.

Longe... é um dia que não tem horas, nem minutos, meu querido.

Longe... e jamais voltará na memória...

longe, muito longe...

no começo, na origem...

longe... muito, muito longe, meu querido.

naquele dia,

estavas sentado no pátio do colégio

ouvindo o rumor das pequenas ondas humanas

correndo pelo jardim,

iguais aos peixinhos no aquário do avental da professora.

...e o que será de nós no futuro?

eles não dizem, eles não sabem.

maria não te ama mais.

maria dança na beira do rio.

diz adeus às belas manhãs,

recheadas de doces e lágrimas...

diz adeus às belas manhãs

elas não voltam mais,

e a mulher tem muitos maridos e nem um filho...

a força embrionária que fez de ti um espantalho.

De pé, em cima de uma ilha, lá estávamos nós,

e nus, choramos

no brilho do sol inicial.

guarda aquela manhã em tua estória...

são 11 horas

são 11 horas

e novas crianças começam a sair outra vez das escolas

e talvez encontres um rosto semelhante ao teu

ao ver a poeira assentada em teus olhos-cristais,

ao ver a poeira assentada em teus olhos-cristais.

vai, meu querido, vai pela floresta de carros,

foge do fantasma que trouxe o espelho com a tua imagem.

vai, desaparece entre os limites do oceano-concreto

onde os bons rapazes perderam suas pequenas almas.

Carlos é hoje um mendigo,

Ângela matou o marido,

Antônio seguiu a advocacia,

Andreia tem 2 filhos e uma neurose,

José enlouqueceu,

Edilson cumpre pena em Americano...

pobres rapazes,

gerados no subúrbio copular da modernidade provinciana,

em baixadas, em grandes casas,

regando a sepultura com boas notas,

cantando o hino nacional e bebendo coca-cola.

eles nunca sabem o futuro

quando aquelas crianças estão rindo,

atrás de livro, carteiras,

com as mãos sujas de areia.

mas o pátio da escola permanece inabalável...

o pátio da escola é de cimento e lajotas...

o pátio da escola é um mar

que devora as águas, vindas da nascente de um rio

e nunca se enche.

não encoste suas grandes mãos imundas em nossos pequenos corpos!!!!

 

Sumário


A CARTA

 

“minha carta suicida adormece

numa folha de papel em branco a cada ano”

“no quarto ao lado soa o canto de uma prostituta cega;

na madrugada irei ao seu pequeno túmulo

visitá-la e adornarei de visões seu silêncio úmido,

rindo com os dentes que sobraram na minha boca

em sua carruagem nupcial para dementes”

“anjos giram o mundo em meu quarto...

a faca quieta em cima da mesa,

olho pela janela o mundo que se dissolve na rua

chove muito durante a noite”

“no outro quarto

um velho homem toca um violino.

dever ser estrangeiro

sua melodia penetra em minha carta,

uma pequena serpente sonora rindo nas paredes invisíveis”

“engraçado! devo ter esquecido alguma coisa

que gostaria de lhe dizer...

não lembro...”

“minha carta suicida adormece

numa folha de papel em branco

nua como adão e eva

quando fugiam do paraíso”

“ ‘wer beim juden kauft ist ein volksverräter’, gritou o velho no fim da melodia”

 

Sumário

NO SOL ARDENTE

 

Dance, Dance,

Agora você pode dançar,

Ainda pode dançar na minha escuridão.

Dance, Dance,

Para os que voltam da cidade.

Corte, Corte,

Minha cabeça,

Expondo-a na entrada da cidade.

O único lugar que você conhece no sol ardente: os quatro cantos da sua cama.

3 vezes,

3 vezes,

3 vezes

eu chamei seu nome

nos jardins que separam meus espíritos...

quebre seus ossos antes que o sol comece a chorar.

eu sou um morcego,

eu sou um humano,

eu sou um entardecer,

misture o seu sangue ao meu.

deixe meu sangue

invadir seu

corpo...

meu

sangue

doce,

meu

sangue

árido.

Senhora, Senhora,

minha árida Senhora,

que trata a todos com amor,

quando lhe pagam bem

e todos colheram pequenas mulheres,

para adornarem seus haréns.

nem amor, nem ódio...

homens, homens,

[AQUI Encontramos o prazer

nos jardins noturnos de

minhas amadas senhoras]

Dance, Dance,

Tudo pode dançar na minha escuridão.

Dançarinos e dançarinos...

Dance, Dance,

bela dançarina da solidão,

e eu enxugarei suas lágrimas.

 

Sumário

PALAVRAS DA VELHA MULHER EM SUA CHUVA DE FLORES

 

Despeço-me de mim mesma,

Meu tempo, minha chuva e meu devaneio.

Despeço-me de mim mesma,

Meu beijo, meu amante.

E meu amor, e meu jardim, e meu telefone.

Meus sonhos fogem e minha porcelanas se quebram,

Em meu coração disforme.

Declínio do verão.

Eu sou a senhora,

A senhora destas ruas... sem ninguém,

Repletas de homens e mulheres,

de crianças e gatos,

e nem um amor

na memória ao amanhecer.

e desse jeito, despeço-me de mim mesma

e de minha casa, de meus sentidos.

Os vidros da janela se partem

Um a um,

Rangem as portas

E meus homens não retornam

Como faziam antes.

Eu sou a senhora dessas ruas,

Eu sou uma desconhecida

No interior de meu amor e de meu ódio,

E as lágrimas podem guardar suas filhas e oculta-las de uma desconhecida,

E desse jeito

Despeço-me de mim mesma,

Despeço-me de mim mesma,

Em minha chuva de flores...

 

Sumário


ABAIXO DA LUA AMARELA

 

Rosto embalsamado

Pelo álcool

Uma já se foi

Para viver um dia

Vida assim não haverá

Nunca mais

 

Sumário

e

ELEGIA

(para um herói do Ocidente)

 

Aqui viveu,

Aqui chorou,

Aqui sonhou e riu,

E ainda teve tempo para

Fuder com mulheres de vida rápida,

Ricas ou pobres, ou ainda

Enfeitiçadas...

Sem ser político, andou sem ter direção,

cuspindo em tudo o que viu e ouviu

Isso, até ontem a noite,

quando a polícia libertou sua alma libertária,

Abrindo quatro magníficos jardins

em seu crânio iluminado,

Após ter estuprado

uma garota

que lhe quis negar o amor.

 

Sumário

A

VOZ

DO

PARTIDO

 

o partido falou

& as ovelhas cantaram.

o partido traçou os rumos

& nós o seguimos.

ouviram-se gritos e música

germinando na cidade,

sem movimento,

diante da voz do partido.

e se o partido falhar,

as ovelhas ainda cantarão...

a multidão sempre estará alerta,

sempre sufocada nos gritos,

descendo & subindo.

mas onde se perdeu a tua voz no meio dela,

a tua voz sem importância,

a tua voz que morre nos escritórios,

nos comitês,

nos quartéis.

A voz do partido

& as milhares de vozes,

a igreja hermafrodita, o economista ilusionista

ou o industrial no manicômio.

é a voz do mundo,

a voz do ocidente,

a voz do juiz,

a voz do marido

e o submisso silêncio,

a súbita morada no paraíso entre duas bombas,

primeiro sonho para a mulher enganada,

profundo sono para o judeu em sua câmara de gás.

e o partido é tudo

no emblema posto na pele do velho louco,

andando nas ruas do subúrbio sem identidade.

 

Sumário

PALAVRAS

 

e o ódio pairando

por todos os lados

e nenhuma união...

apenas reunidos para o saque no banco...

ocultos,

devoraram um milhão de acontecimentos

e não apreenderam nem um movimento.

então, eu vi algumas damas no jardim de Herodes

nuas, rodeando a cabeça de João Batista.

Vista consagrada de imagens secas, mutiladas pela televisão,

realidade mutilada,

tempo mutilado, não recordado em esquinas,

mas no banquete bem nutrido de miseráveis oculares

muito foi visto e muito foi ouvido,

por favor, eu quero o descanso no paraíso.

A Dama Tímida,

a mão que oculta a carne,

entrelaçada, que reveste o espírito

com risos sem sentido.

O lugarejo fechado do sul,

com a mente em redemoinho, sempre para o dia anterior voltada.

Todos os fins correm para as referências do teu fim

e o teu fim em todos os fins não está;

o teu fim está em alguma ordem em desordem,

ou num campo aberto pela imaginação

em que cada poente é uma espera para um retorno

possível,

& estando ali, ou do outro lado deste lugar,

não há existência que habite sem conceber o que é possível,

onde as portas estão fechadas & as casas declinando

para onde os ratos encontram o exílio

num muro de palha erguido para o vento.

A morte é e sempre será prisioneira da constante morte da vida;

porém, só a morte da vida construirá um novo caminho

para além do infinito, para além dos portões desta cidade...

manhãs em fragmento, horas em ordem feitas para a desordem,

aurora estilhaçada (pontos de ônibus)

por aqueles que limitam o jardim para nada criar

& assim fizeram aqueles que ontem estavam nos pontos de ônibus

& agora germinam escassez nos cemitérios,

copulando com quantos pelas ruas caminhassem

até que uma onda de afrodisíacos os levassem às sepulturas

ou a um novo altar de revistas pornográficas,

onde uma janela nos mostra o campo descolorido.

Procuro a flor, a voz não mais existe nas horas do relógio.

A voz está mutilada pela confusão do silêncio

& as horas do relógio estagnadas,

o vento, a dama, e uma antiga dança ainda, em que a música

não pode ser ouvida.

Ali, no campo descolorido, onde me disseram que vivia a inteligência

fiz uma casa e oculto meus significados,

ali tudo converge para um fim uno,

& ali eu vi um profeta crucificado

na proa de um barco, sem rumo e sem referência,

pois a corrente que nos animava o inconsciente se rompeu,

& fomos para os vales

deixando a cidade para trás,

& fomos para as montanhas

deixando a cidade para trás,

Celebraram o funeral no meio de uma chuva elétrica.

Celebram a caverna ocular,

vomitando sonhos na retina sem brilho.

Nem descanso para aqueles que retiravam todas as horas

para não viver nenhuma hora.

tecnologia na ALCOVA

Ela levantou-se no meio de uma noite comum,

de uma quarta-feira comum,

assustada com um pesadelo comum,

e ficou olhando para a rua comum,

e para a cama comum e vazia;

e se debruçou na janela, chorando.

Depois ela foi ao armário, e depois ao banheiro, e voltou para o quarto,

e apanhou o vibrador em forma de pênis...

tomou um tranqüilizante comum,

acendeu um cigarro comum,

e um coração de amor artificial também comum.

whaleia

quando viu um homem se afogando no rio,

que agora lhe parecia um oceano, não estendeu sua mão, deixando-o morrer,

andando sobre as águas;

a morte beija-lhe os lábios empoeirados,

metade de seu corpo na lama,

não sou um número no meio desse infinito, eu crio poemas e música.

A Norma

a norma é esta:

amar a ti mesmo com todo o egoísmo possível

e depois despojar teu eu gasto de todo o eu possível

para amar a quem não amas.

Deixe-me delirar, Doutor,

até que eu possa olhar

os pontos incandescentes

na linha do tempo, Doutor,

na linha do tempo, Doutor,

através de um muro cinzento,

até que eu vá ao manicômio para

vê-los correr pelo

campo da imaginação,

e sem andar no cemitério burguês

e sonhar seus sonhos num jardim...

o fim da ponte

A dama está viva

rindo na ponte,

desdentada,

do homem sem relógio,

pinturas movem-se na sua parede

visual...

as lágrimas e os risos que secaram

no muro do cemitério...

Tão Sonolentas,

isto é uma grande

mentira...

não existirão mais

lágrimas, nem risos,

nem cemitérios,

nem fábulas,

nem encantos, nem fadas,

enquanto os portões enferrujados

da manhã nova

não se abrirem para a escuridão.

Ratos na mente,

Fome na mente,

A imaginação foi banida,

E no campo, o concreto

Emerge, num sol estrelado

O Espelho

O ideal é conheceres

a ti mesmo, olhando-te profundamente

neste espelho.

Não me podes ajudar.

Não posso te ajudar.

O que sei apenas

irá comigo.

O que nunca pude saber

Também irá comigo.

É ideal conheceres

a ti mesmo...

então saberás a quem

velam no templo.

que luta justa é essa,

se jamais poderás

ganhar.

Eu apenas ando

atrás de

uma

nova

alma.

cada palavra que

digo,

cada palavra que

desminto.

não teve importância...

Eu quis ter outra

Existência,

Outra alma...

essa multidão onde desapareces

incógnito,

no meio da eletricidade,

jamais saberás...

Nos ensinaram

tão perfeitamente o caminho

que nem Deus crê em mim.

O corpo deteriora,

o amor que você

quis salvar.

O amor que nós

todos

quisemos

salvar.

Um belo corpo,

que vai se deteriorando.

Eu quis tanto ser salvo,

Eu quis tanto ser salvo,

Que acabei me perdendo.

Aithas

Eu quis fugir de você...

uma luz além de mim

iluminou-me um dia,

uma energia que eu não

pedi,

uma energia que não

gostei,

agora volta-se contra mim.

Exorcismo

Eu paro, você para,

nada ouvimos,

apenas sentimos,

apenas sentimos,

você para,

apenas ouvindo,

venha

sentir a fome que eu sinto.

Diga adeus ao paraíso enlatado.

Nação sem face, homem sem nome,

com toda as tuas torres de Babel

feitas com bolo de concreto...

com teus super-heróis,

obrigado por me deixares dormir

em teu deserto,

com o teu palco de estrelas cadentes,

com teu filho de olhos

azuis chorando no metrô selvagem.

A Esposa & o Cadáver...

Ela, parada no meio das

velas,

foi a única que não

o esqueceu,

Parada, ela diante daquele

monte de carne apodrecida, velando a memória

do amor ou do ódio,

em um ponto do tempo que passou.

Eu teria te amado se não tivesses

gostado da poesia

que te dei

e pelo meu ódio eu te amei

pela tua falta de prazer líquido.

Afinal, para que serve a poesia,

se como tudo, não poderia ter

significado...

A Fada Cinzenta,

os olhos do homem

sentado no banco da praça,

com sua maleta cheia de iluminuras,

diante da fada cinzenta,

voltou-se para todos

os lados possíveis, em todos os rostos

que passavam, e os carros...

quando os sábios do partido

tentavam convencer o idiota

dos benefícios sociais dos seus objetivos.

E ele foi até o deserto

e lá encontrou um profeta:

se queres saber a verdade,

o todo está em algum ponto do vazio.

As Máscaras...

em cada rosto

no ônibus

as máscaras vão da

entrada para a saída,

e, quando eles respiram

à meia-noite de Sábado, voltam para suas casas

em algum conjunto habitacional,

perto do coração de algum

cemitério.

As palavras de amor, belas e doces,

são mortalhas, mulher!!!

o amor por todos os lados recoberto por fotografias

& o universo inteiro girando nas folhas de jornais

& o vento velando as folhas desgarradas numa rua iluminada.

por quanto tempo estivestes adormecido, ancião?

andando pelas terras do rei,

segurando nas mãos de estranhos os espelhos com a tua imagem possível,

sem magoar nenhuma mulher, sem juntar nada para o tempo perdido,

cabelos de crianças no jardim,

& ódio & amor & fome & nenhum lamento.

roubei uma porção de terra dos continentes

para fazer uma ilha para as cabras

& tenho que ir até o outro lado do rio

para encher a taça de ouro que vimos no jardim para verter a essência

na água e no rio, nos portões da cidade.

transformando a queda numa elevação,

nos movimentos apenas pressentida,

para reabrir o paraíso.

deveríamos acender o fogo e rir dos acontecimentos,

fazendo deste encontro um princípio para as linhas do tempo.

O vento bateu, e as portas caíram,

já fazem décadas... os ossos embranqueceram...

obscura fresta nos olhos de um morto...

um cemitério de imagens brancas descendo pelo abismo dos séculos

numa rua de mão dupla.

A noite declina

na manhã.

Damacisne observa, com a fumaça do cigarro

nas narinas, a casa em desalinho,

a via para o esquecimento é a morte...

há cinco séculos a vida não é vida, se é que já foi...

Pétalas de poeira nos lábios,

alguns dizem adeus

e outro não tem o que dizer,

gente & gente & gente

nas ruas, gente caindo, gente se levantando

apoiados nas sombras de cada um para ver a queda de todos.